TFG (parte 2) - 1. ENTENDENDO O ESPAÇO PÚBLICO
- Lu_rsr
- 12 de out. de 2022
- 17 min de leitura
Ao longo deste capítulo, procura-se refletir sobre as seguintes questões: o que é espaço público? Qual sua função na cidade? Como se dá sua relação com o cidadão e com a cidade?
Pretende-se entender, também, o comportamento dos equipamentos culturais na sua existência urbana. Qual sua importância para a cidade? Como sua função se estabelece? Quais artifícios podem estabelecer melhores vínculos com seu local de inserção e com os indivíduos?
A definição de espaço público é difícil de ser expressa por um único termo, de forma clara e concisa ou de entendimento rápido e preciso por abranger em sua acepção um conjunto de elementos urbanos: a praça de um bairro, as calçadas e parques da cidade, as vias em geral – ruas e avenidas, pontes e viadutos, entre outros. Ao mesmo tempo, essa abrangência de denominações, não permite a exploração de sinônimos da expressão em estudo sem perda significativa de seu valor. Se, por exemplo, as áreas permeáveis de um lote passarem a ser consideradas espaço público da cidade, o significado da expressão em discussão não se altera, ainda que sua abrangência de denominações aumente. Pode-se considerar, dessa forma, espaço público como um conceito de valor agregador uma vez que aceita novas designações sem alterar seu significado.
Portanto, o espaço público, antes de ser um componente singular ou um espaço definido, é tudo aquilo que cerca, que conecta, que articula os usos específicos – residencial, comercial, industrial, institucional, misto - de uma cidade. É o espaço público que introduz, que incentiva, que permite a interação dos cidadãos com sua urbe. É o espaço pelo qual se transita livremente - observa-se a vida urbana, deseja-se um percurso, descobre-se uma visual, encontra-se a serenidade.
Jane Jacobs assim discute em Morte e Vida de Grandes Cidades: "A calçada por si só não é nada. É uma abstração. Ela só significa alguma coisa junto com os edifícios e os outros usos limítrofes a ela ou a calçadas próximas. Pode-se dizer o mesmo das ruas, no sentido de servirem a outros fins, além de suportar o trânsito sobre rodas em seu leito. As ruas e suas calçadas, principalmente locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona."[1]
Ou seja, espaço público está ao longo de um caminho – da casa para o trabalho, do trabalho para a academia, da casa para a escola, da escola para o parque... Definido o ponto de partida e o ponto de chegada, o espaço público que possibilitará o trajeto por meio de ruas, avenidas, ciclovias (carros, ônibus, motos, bicicletas); calçadas e passeios (pedestres); trilhos (metro e trem). A grande porcentagem desses espaços comuns da cidade revela-se, assim, nos percursos, nos espaços livres (usos não específicos), na composição positiva da cidade[2] (Figuras 1 a 6). Ressaltando-se aqui, também, a importância da calçada – espaço público mais próximo no cotidiano do cidadão. Logo, esses elementos urbanos são os principais caracterizadores do nível do pedestre.
Segundo Argan: ”o plano, o nível do terreno, sempre teve uma importância fundamental na concepção humana do espaço. É o que distingue e, ao mesmo tempo, põe em relação o que está em cima com o que está embaixo da terra, a vida, o mundo dos fins, dos êxitos espirituais.”[3]

Figura 1: Centro Histórico Pelourinho, Salvador
Arquivo Pessoal do Autor. Jan/2011

Figura 2: Praça Dom José Gaspar (Biblioteca Mario de Andrade), São Paulo
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011

Figura 3: Praia de Ipanema, Rio de Janeiro
Arquivo Pessoal do Autor. Set/2010

Figura 4: Millenium Park, Chicago
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011

Figura 5: Navy Pier, Chicago
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011

Figura 6: High Line Park, Nova York
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011
[1] JACOB, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Pág.29 [2] Composição positiva da cidade: percepção e interpretação segundo os princípios da psicologia da forma (Gestalt) de segregação figura-fundo (positivo-negativo / cheio-vazio) [3] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Pág. 215
1.1. VALORES DO ESPAÇO PÚBLICO PARA A CIDADE
É cada vez mais comum se deparar com demolições, placas de novos empreendimentos, desapropriações de lotes, construções de novas vias, melhorias no sistema de transporte. Todavia, dificilmente se encontra informações sobre favorecimento do convício social, valorização do espaço comum da cidade, investimento na qualidade de vida de seus habitantes.
A cada dia a cidade revela novas formas, novos contextos, novas possibilidades. Ela se transforma, se renova. Novos edifícios, novas arquiteturas, novos espaços são criados. Estabelece-se, assim, a dinâmica da cidade. Mas a que ponto essas mudanças são positivas para a cidade? Como usufruir dessa dinâmica para gerar o desenvolvimento de uma população e não apenas acomodar a necessidade da vez?
Se é verdade que essas transformações são necessárias para atender a uma demanda, a um uso ou ainda para resolver situações insatisfatórias de alguns, também é verdade que raras são as vezes em que essas mudanças, de fato, sejam aplicadas para um coletivo, para uma relação melhor com a cidade, para um desenvolvimento social. Mesmo adotando como exemplo uma nova linha de metrô: a grande maioria dos acessos às estações se transforma – normalmente a partir de uma desapropriação – em uma escada, um elevador – um portal. É certo que facilitará o deslocamento de pessoas, o acesso a tantos outros pontos da cidade, mas o que acontece com a área daquele acesso? Criará mais um espaço residual na cidade? Por que não valorizar este nova oportunidade de espaço da cidade? Permitindo uma transformação mais saudável, mais estimulante ao cidadão.
Argan trabalha estas questões de potencialidades da cidade em História da Arte como História da Cidade: “Não temos nenhuma dificuldade em admitir que a cidade, no sentido mais amplo do termo, possa ser considerada um bem de consumo, ou melhor, até mesmo um imenso e global sistema de informações destinado a determinar o máximo consumo de informações. Mas a única possibilidade de conservar ou restituir ao individuo uma certa liberdade de escolha e de decisão e, portanto, de liberdade e disponibilidade para engajamentos decisivos, inclusive no campo político, é colocá-lo em condições de não consumir as coisas que gostariam de fazê-lo consumir ou de consumi-las de maneira diferente da que gostariam que as consumisse, de consumi-las fora daquele tipo de consumo imediato, indiscriminado e total que é prescrito, como sistema de poder, pela sociedade de consumo.”[4]
A origem de tantos espaços residuais compromete o significado e a importância do espaço público da cidade. É este que deveria se sobressair dentro do conjunto urbano enquanto espaço qualificado, acessível e usufruível por todos. O espaço público é elemento essencial da cidade.
Dentre as contribuições da antiguidade clássica, a preocupação e a importância que davam a esse espaço são notáveis. Destinavam-se áreas para cerimônias, encontros políticos, sociais e festivos. Posteriormente, definiu-se a Àgora e, então, a Praça, onde também se possibilitou apresentações de jogos e peças teatrais. Eram em torno desses espaços públicos que se pensava nos demais elementos, atualmente as malhas viárias, áreas verdes, áreas de preservação, loteamentos, especificidades de uso, verticalidades, centralidades.
Além disso, é visível a qualificação que esses espaços trouxeram às cidades, uma vez que muitos ainda existem, funcionam e, principalmente, caracterizam estas cidades na atualidade.

Figura 7: Praça de São Pedro, Vaticano. Séc. XVII

Figura 8: Praça de São Pedro, Vaticano. Atualmente

Figura 9: Praça do Povo, Roma. Séc. XVII

Figura 10: Praça do Povo, Roma. Atualmente
Em suma, a vida urbana acontece em torno dos espaços públicos. Eles se revelam no cotidiano de seus usuários, os cidadãos: nas ruas, que conectam a casa à escola e ao trabalho, ou então, o hotel às atrações e aos pontos turísticos da cidade; nos parques e praças, onde as crianças brincam, as pessoas passeiam, os trabalhadores sentam para almoçar, os esportistas combinam uma partida ou, simplesmente, onde é possível encontrar o silêncio e a tranquilidade e fugir da rotina agitada. Ou seja, o espaço público pode ser entendido como os oceanos da Terra ou a sala de estar de uma moradia: tem como característica principal recepcionar a todos e, assim, fazer-se utilizável por todos.
É o espaço público bem planejado que qualifica os interstícios da cidade. A rua que permite a passagem adequada de ônibus, carros e motos, a presença de ciclovias e calçadas mais generosas ou meramente desobstruídas, tornam-se opções seguras e agradáveis. A passarela que transpõe uma barreira de forma a explorar as vistas da cidade torna-se uma opção mais amena ao pedestre. A confluência de grandes avenidas que estabelece marcos visuais, acessíveis e utilizáveis possibilita uma identidade à cidade. Isto é, a rua deixa de ser mais uma rua da cidade onde mesas de bares e restaurantes invadem as calçadas, desconsiderando a circulação; onde carros revezam passagem para um ônibus poder passar sem invadir a calçada; onde ciclistas necessitam carregar suas bicicletas para não serem atropelados por veículos e, também, não atropelarem pedestres. A passarela deixa de ser alguns lances de escada, de ser inacessível para alguns. A confluência de avenidas deixa de ser mais uma área de caos da cidade, deixa de ter importância apenas pela característica das vias. São questões que dizem respeito não só ao urbanismo, mas também à arquitetura. Na verdade, a arquitetura deveria vale-se de elementos singulares da cidade - uma visual, um entorno consistente, um percurso naturalmente estabelecido - para estrutura-se e potencializar-se. Dessa forma, sua identidade se daria mais fácil e claramente; geraria situações mais convidativas e estimulantes ao cidadão, envolvendo-o com sua urbe. Ou seja, a arquitetura deixaria de delimitar seu lugar na cidade e passaria a compor-se na paisagem urbana. A Ponte Vecchio (Figura 11), por exemplo, é uma das particularidades da cidade de Florença. Uma ponte que além de atender ao seu propósito funcional - transpor um obstáculo, no caso o Rio Arno - se insere, se integra, se desenvolve no cotidiano do cidadão. Não só a sequencia de lojas que ocorre ao longo de toda sua extensão, como também o valor histórico de sua construção e os significados atribuídos e cridos até hoje a fazem ser uma ponte universalmente conhecida. A cidade ganha identidade e os cidadãos, se identificam. Os indivíduos sentem-se estimulados a viver nesta cidade, a querer valorizá-la cada vez mais e revelar a forte identidade urbana diante das demais. Como ressalva Kevin Lynch, “a paisagem urbana também é algo a ser visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos dê prazer.”[5]

Figura 11: Ponte Vecchio, Florença
Arquivo Pessoal do Autor. Nov/2009
[4] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Pág. 219 [5] LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Prefácio
1.2. IMPORTÂNCIA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS PARA OS CIDADÃOS
O espaço público torna-se importante para o cidadão, pois é justamente nesse espaço que a vida urbana ocorre como já foi observado anteriormente. É esse espaço que articula a vida privada e coletiva. Numa mesma rua passam pessoas com as mais diversas intenções: indo ao trabalho, voltando para casa, se encontrando com os amigos, se reunindo com os colegas, procurando um lugar para almoçar ou descansar, ou simplesmente praticando uma atividade física. É por isso que esses espaços comuns devem ser planejados para atender aos mais diversos usos e, principalmente, permitirem o inesperado. São esses espaços que possibilitam ao cidadão se relacionar com a cidade e usufruir dela sem receio, mesmo porque é seu direito como cidadão. Direito que se consta, por exemplo, no Art. 91 do Plano Diretor do Município de São Paulo: "São objetivos da Política de Paisagem Urbana: I - garantir o direito do cidadão à fruição da paisagem; II - garantir a qualidade ambiental do espaço público; III - garantir a possibilidade de identificação, leitura e apreensão da paisagem e de seus elementos constitutivos, públicos e privados, pelo cidadão;"[6]

Figura 12: Dam Square, Amsterdã http://www.esmrn2011.org/Practicalinformation/. Abril/2011
Dessa forma, o espaço público pode ser considerado um indicador de qualidade de vida urbana uma vez que quanto mais vida se vê nesses espaços livres da cidade, mais significa que as pessoas se sentem bem ao utilizá-los. Elas usufruem da cidade – espaço coletivo - ao invés de ficarem em suas casas, seus escritórios – espaço privado. Por vezes, elas alteram o uso de veículos particulares pois se sentem satisfeitas com um percurso mais agradável, ainda que possa demorar uns minutos a mais. São minutos que, ao final, se revertem em qualidade de vida quando a cidade oferece caminhos estimulantes e seguros ao cidadão.
Como Bruno Zevi assim descreve em Saber ver a Arquitetura: “o fato de o espaço, o vazio, ser o protagonista da arquitetura é no fundo natural, porque a arquitetura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida.”[7]
O tamanho das quadras, por exemplo, interfere diretamente no estimulo ao uso do espaço público. Um bairro com quadras menores (Figura 13) possibilita maior número de percursos para se chegar a um mesmo local (assumindo que sejam quadras densas – com usos específicos).
Já um bairro quadras maiores (Figura 14) deixa de ser tão estimulante a novos percursos pois a distância passa a influenciar fortemente a decisão de percurso. Por sua vez, se essas quadras forem permeáveis (Figura 15) – concebidas de forma a criar espaços de transição e não residuais -, o pedestre se vê numa situação semelhante às quadras menores.

Figura 13: esquema de bairro com quadras menores
Ilustração elaborada pelo autor. Set/2011

Figura 14: esquema de bairros com quadras maiores (densas)
Ilustração elaborada pelo autor. Set/2011

Figura 15: esquema de bairros com quadras maiores (permeáveis)
Ilustração elaborada pelo autor. Set/2011
Kevin Lynch diz: "Estamos continuamente tentando organizar nosso entorno, estruturá-lo e identificá-lo. Vários ambientes são mais ou menos receptivos a semelhante tratamento. Na reformulação das cidades, deveria ser possível dar-lhes uma forma que facilitasse essas tentativas de organização, em vez de frustrá-las.”[8]
Outro fator estimulante ao caminhar pela cidade é a diversidade de uso num raio pequeno (nível do pedestre). Num bairro residencial, por exemplo, as pessoas são estimuladas a caminhar provavelmente por uma questão de lazer. Já num bairro misto, o caminhar também pode ter uma finalidade mais utilitária como ir à padaria, ao mercado – comércio local -, ao shopping, ao escritório, à escola. Por esses aspectos, o espaço público pode ser entendido como o espaço estruturador da cidade: o desenho das quadras, as dimensões das vias, a relação dos usos. Quanto maior a diversidade de uso e possibilidade de percursos, maior será o estímulo do cidadão ao uso da cidade, maior será a qualidade de vida urbana. Segundo Jane Jacob: "A diversidade comercial é, em si, imensamente importante para as cidades, tanto social quanto economicamente. (...) Mas, mais do que isso, onde quer que vejamos um distrito com um comércio exuberantemente variado e abundante, descobrimos ainda que ele também possui muitos outros tipos de diversidade, como variedade de opções culturais, variedade de panoramas e grande variedade na população e nos frequentadores. É mais do que uma coincidência. As mesmas condições físicas e econômicas que geram um comércio diversificado estão intimamente relacionadas à criação, ou à presença, de outros tipos de variedade urbana."[9]
Assim, na medida em que o cidadão sente segurança e desejo para usar os espaços da cidade, ele acaba criando sua identidade com ela. Ele constrói laços afetivos, valores pessoais, referências, histórias que o vinculam a determinados lugares, incorporando-os à sua história de vida. Só assim, desenvolve o gosto pela cidade onde vive, sente-se estimulado a usá-la, a divulgá-la, a cuidar daquilo que cria seu bem estar urbano.
[6] Plano Diretor do Município de São Paulo. Subseção VI - Da paisagem urbana. Art.91
[7] ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. Pág.28
[8] LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Pág.100
[9] JACOB, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Pág.162
1.3. EQUIPAMENTO CULTURAL: ARTICULANDO ARQUITETURA E ESPAÇO PÚBLICO
Antes de entrar na discussão de usos institucionais e equipamentos públicos da cidade, vale ressaltar a redução e desvalorização que o espaço público vem sofrendo ao longo do tempo, em especial, na cidade de São Paulo. Rosana Gonçalves aborda em sua dissertação a dinâmica de determinados espaços públicos paulistas - o que o passar do tempo acarretou a eles, à cidade e ao cidadão - e observa: "(...) num determinado momento, o pedestre não conseguiu mais dividir estes espaços [públicos] com os veículos, onde automóveis e ônibus dominaram as ruas e avenidas da cidade. Surgiram os grandes congestionamentos, baixou a qualidade de vida e do ar em decorrência da poluição e problemas psicológicos, assim como o stress e outras doenças apareceram, o conforto e a tranquilidade transformaram-se num verdadeiro caos urbano."[10] Da mesma forma, Joana Machado, que abrange em sua dissertação relações entre espaços públicos e privados, ressalva: "é comum ouvir as gerações mais antigas comentarem que brincavam nas ruas das metrópoles. Os jovens de hoje já não costumam fazê-lo. Isso porque a rua, assim como muitos espaços considerados 'públicos', não possuem mais caráter de lazer. "[11]
Se os espaços destinados ao uso comum na cidade não conseguem atender às necessidades de seus cidadãos de forma satisfatória, não seria o caso, então, de explorar, de criar, de desenvolver outros espaços públicos dentro dessa cidade? Espaços que, a princípio, não são aclamados como públicos, mas que ainda sim, possibilitam essa abordagem.
Sendo o uso institucional um dos principais promotores culturais e sociais de uma cidade e estando diretamente relacionado ao desenvolvimento dessa sociedade, não pode-se pressupor que equipamentos institucionais deveriam abranger, cultivar e, principalmente, estimular o relacionamento entre cidade e cidadão? Seja com fins de educação, cultura e lazer, saúde, assistência social, culto ou comunicação, todos os usos institucionais deveriam atender a necessidades sociais e culturais da comunidade. Além disso, eles deveriam amenizar a rotina agitada e qualificar a vida do cidadão. Juntamente com os espaços públicos urbanos deveriam ser os principais estimulantes do bem estar dos habitantes dessa cidade.
Assim, torna-se natural esperar um bom desenvolvimento de espaços públicos em equipamentos institucionais, ainda mais pela carência desses espaços comuns da cidade.
O equipamento público cultural entra nesta discussão, assumindo um papel importante enquanto arquitetura da cidade por também ser um pólo centralizador na dinâmica urbana. Sua compreensão de público não é somente de habitantes locais, mas também de outras cidades. Este equipamento capacita a convivência, o respeito, o autoconhecimento. Ele ensina, estimula e desenvolve as questões de cidadania. Dessa forma, criar espaços públicos para atividades relacionadas, complementares e, até mesmo, contraditórias às áreas de seu programa apenas valoriza sua função social e cultural perante a cidade.
Segundo Kevin Lynch: “Para ter valor em termos de orientação no espaço ocupado pelas pessoas, uma imagem precisa ter várias qualidades. (...) Deve ser seguro e conter indicações suplementares que tornem possíveis as ações alternativas, sem grande risco de insucesso. (...) É preferível que a imagem seja aberta e adaptável à mudança, permitindo que o indivíduo continue a investigar e organizar a realidade; deve haver espaços em branco nos quais ele possa ampliar pessoalmente o desenho.”[12]
Além disso, ao permitir esse desenvolvimento em uma pessoa e estimular a socialização, o equipamento cultural possibilita a criação de uma identidade com o indivíduo. Não somente, a relevância que este equipamento adquire ao atender a estes seus propósitos – desenvolver a cultura e o bem estar de seus habitantes – propicia, também, sua identidade na cidade. Ele passa, então, a compor-se na paisagem urbana e fazer parte da dinâmica da cidade. Passa a ser referência de lugar de lazer, de encontro, de criação, de conhecimento, de possibilidades, aumentando a consciência dos cidadãos em relação aos espaços comuns da cidade.
Em suma, para que um equipamento cultural potencialize essas características sociais e culturais, esse envolvimento com usuários, essa identidade individual e coletiva, ele deve estimular o uso público não controlado, seja pelo seu programa, seja pelos espaços externos – e não vinculados ao programa – que sua arquitetura condicionou. Ele deve favorecer o convívio social, um passeio agradável, um espaço contemplativo. Permitir a interação, estimular a curiosidade, possibilitar o inusitado entre usuários e não usuários, entre objeto e programa, entre cidadão e cidade. Deve "conservar ou restituir ao indivíduo a capacidade de interpretar e utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe a possibilidade de não se assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente.” [13] É compondo essas áreas de permanência e circulação junto ao programa que se possibilita, então, o desenvolvimento de novas experiências.
De acordo com Lynch: “o observador deve ter um papel ativo na percepção criativa do mundo e uma participação criativa no desenvolvimento de sua imagem. Deve ser capaz de transformar essa imagem de modo a ajustá-la a necessidades variáveis. Um ambiente ordenado em detalhes precisos e definitivos pode inibir novos modelos de atividade. Uma paisagem na qual cada pedra conta uma história pode dificultar a criação de novas histórias. Ainda que isso possa não parecer um problema crítico em nosso caos urbano atual, mesmo assim indica que o que procuramos não é uma ordem definitiva, mas uma ordem aberta, passível de continuidade em seu desenvolvimento.”[14]
Podem-se citar como exemplo do estudo em discussão dois equipamentos de Paris: o Museu do Louvre (Figura 16) e o Centro Georges Pompidou (Figura 17). Ainda que se caracterizem por um mesmo uso - equipamento público cultural -, criam relações distintas com a cidade. Seja por conta das diferenças de dimensão e escala de abrangência, de entorno e inserção na cidade, de valor histórico ou de programa, o fato é que ambos complementam e fortificam a identidade da cidade. É possível observar em seus arredores - em seus espaços livres - o envolvimento e a integração de indivíduos com os mais diversos fins. Há pessoas que nunca acessaram o acervo ou frequentaram a biblioteca - alguns até desconhecem o programa -, ainda assim, usufruem dos espaços públicos existentes diariamente: para tomar um café num espaço agradável, desenvolver seu esporte favorito com os amigos ou, até mesmo, inspirar-se para o desconhecido - um espaço comum e estimulante ao individuo que por ali passa.
Buscando esta situação favorável à criação de identidade para a cidade e para o cidadão e à qualificação de vida dos habitantes da cidade, a relação do equipamento cultural com o entorno e com a urbe deve ser bem estuda e entendida para, assim, estabelecer uma integração consistente com o local e com os indivíduos.

Figura 16: Museu do Louvre, Paris
Arquivo Pessoal do Autor. Nov/2009

Figura 17: Centro Georges Pompidou, Paris
Arquivo Pessoal do Autor. Nov/2009
[10] GONÇALVES, Rosana Maciel. A evolução dos espaços livres centrais da cidade de São Paulo .Dissertação de Mestrado FAU Mackenzie, 1995
[11] MACHADO, Joana Sarue. O lugar das galerias do centro de São Paulo: relações entre espaço público e privado. Dissertação de Mestrado FAU Mackenzie, 2008
[12] LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Pág.10
[13] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Pág. 219
[14] LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Pág.6
1.4. A IMPORTANCIA DA IMPLANTAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA
Ao caminhar pela cidade, os sentidos humanos são estimulados e passam a interferir fortemente nas escolhas, por vezes inconscientes, que o indivíduo faz ao longo desse percurso. A opção por qual rua transitar e qual lado da calçada andar, por exemplo, são feitas baseadas em questões como atividades comerciais da rua, fluxo de pessoas existente, dimensões e condições da calçada, interferências climáticas do momento e agradabilidade do trajeto que, por sua vez, variam de acordo com o estado de espírito do indivíduo e de pessoa para pessoa. Logo, permitir e possibilitar caminhos alternativos qualificados e que contextualizem aspectos distintos, aumentam essas opções aos indivíduos e estimulam o uso das ruas da cidade. Como Zevi observa: “uma coisa é estar sentado na poltrona de um teatro e ver os atores se movendo, e outra é viver e atuar na cena da vida. Existe um elemento físico e dinâmico na criação e apreensão da quarta dimensão com o próprio caminho; é a diferença que existe entre praticar esporte e olhar os outros enquanto praticam, entre dançar e ver dançar, entre amar e ler romances de amor. (...) esse impulso de participação completa, esse motivo de vontade e essa consciência de liberdade que sentimos na experiência direta do espaço.”[15]
É neste caminho, neste nível do pedestre, que se permite criar e estabelecer a relação, por exemplo, entre objeto arquitetônico e pedestre. Neste aspecto, a implantação de um projeto adquire grande valor por ser um meio determinante da existência desta relação. Aspectos como facilidades de acessos, valorização do entorno, valorização do programa, criação de espaços públicos, leitura do objeto dizem respeito a decisões de implantação que estimularão mais ou menos aquela relação.
No caso específico dos equipamentos culturais, a implantação também se torna um dos principais indicadores de situações favoráveis aos propósitos públicos e sociais de seus objetos. É nela que se estabelece, por exemplo, o contato próximo e direto com seus usuários e não usuários: criam-se percursos, acessos, áreas de permanência; estimula-se a convivência, a interação, o bem estar. Também é o meio de conexão com o entorno imediato, ressaltando a relevância da exploração do espaço público. Afinal, é ele que irá conectar o objeto ao entorno, o usuário ao programa, o cidadão ao seu bem estar urbano.
O desenvolvimento da implantação, então, adquire grande importância no desenvolvimento do partido do projeto: designar áreas de circulação e permanência públicas instigantes; criar acessos ao programa claros, mas, não necessariamente diretos; estabelecer uma entrada não necessariamente por meio de uma porta, mas pela indução de um percurso. Ainda assim, mais do que constituir situações, é importante que se tenha clareza do que existe naquele conjunto e do que pode ser explorado para justamente orientar o pedestre. Por este aspecto, a visibilidade mostra-se como uma importante ferramenta a ser utilizada na concepção do projeto para instigar a curiosidade das pessoas.
Segundo Argan: “Hoje, não podemos mais conceber a distinção entre um espaço interno e um espaço externo, entre um espaço apenas meu e um espaço de todos. Hoje, é componente do espaço urbanístico qualquer coisa que, na contínua mutação da realidade ambiental, retém por um instante nossa atenção, obriga-nos a reconhecer-nos (ainda que para tomar consciência de nossa nulidade) em um objeto ou em algo que, não conhecemos e cuja chave, cujo código de interpretação devemos encontrar.”[16]

Figura 18: Instituto Itaú Cultural, São Paulo
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011

Figura 19: Museu de Arte de São Paulo (MASP), São Paulo
Arquivo Pessoal do Autor. Jul/2011
Figura 18 e 19: Comparando-se o Instituto Itaú Cultural (Fig. 18) e o Museu de Arte de São Paulo - MASP (Fig. 19), pode-se perceber o reflexo da implantação desses equipamentos culturais nas relações abordadas até o momento. Ainda que estejam situados numa mesma avenida (Paulista), esses equipamentos estabelecem relações distintas com quem por ali circula. Enquanto o Itaú Cultural pode passar despercebido pelos pedestres, ainda mais por aqueles desatentos ou desinformados, dificilmente há quem não note sua passagem em frente ao MASP. Criar possibilidades de percursos também estimula essa curiosidade, principalmente quando estes conectam espaços de uso livre ou de permanência, além dos acessos. Isso porque usuários, que tem o programa como seu objetivo pessoal, podem conhecer e explorar futuramente essas áreas públicas até então desconhecidas. Ao passo que, não usuários, ao caminharem, usufruírem ou contemplarem esses espaços, podem sentir interesse ou passar a conhecer o programa que ali se desenvolve.
As formas como esses espaços se articulam também são essenciais de serem trabalhados, pois deve se possibilitar a leitura e entendimento do conjunto para sempre haver esse estímulo a curiosidade. É importante, então, desenvolver esses espaços públicos - entre rua e acesso ao programa - para que as pessoas não se sintam intimidadas a adentrar e descobrir o edifício, mas, ao contrário, se sintam convidadas a explorar mais um espaço da cidade.
[15] ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. Pág.51
[16] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Pág.224
.....
COMPLEMENTE SUAS REFLEXÕES COM OS DEMAIS POSTS DESTE TFG
MONOGRAFIA NA ÍNTEGRA: https://www.4shared.com/s/fv7JMy0REce
RODRIGUES, L. Arquitetura e Espaços Públicos o caso dos equipamentos culturais: o projeto de um teatro. Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie.São Paulo,p.113. 2011.
Comments